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13 de July de 2020

Homens estão mais propensos a contrair e desenvolver formas graves de Covid-19

O título desta matéria despertou a sua curiosidade? Para esclarecer tudo o que já se sabe sobre as razões pelas quais os homens estão realmente mais propensos a contrair a Covid-19 e a desenvolver formas mais graves da doença do que as mulheres, convidamos o coordenador de Clínica Médica dos hospitais Santa Lúcia Norte e Maria Auxiliadora (Gama), Lucas Albanaz Vargas.

Leia a entrevista e compartilhe conhecimento.

 

1 – Os homens, de fato, contraem mais Covid-19 do que as mulheres? Quais as razões para isso?

Sim. Ainda não sabemos dizer ao certo por que isso vem ocorrendo. Mas podemos afirmar que não está em um único fator, e sim possivelmente numa combinação deles: biologia, estilo de vida e comportamento poderiam explicar o caráter infeccioso da Covid-19. Ao redor do mundo, homens tendem a beber e a fumar mais do que as mulheres e, portanto, ficam mais suscetíveis a desenvolver doenças pulmonares e cardiopatias, o que os fragilizariam caso contraíssem o coronavírus. Além disso, fumantes tocam a boca a todo o momento, porta de entrada para o vírus, e têm mais chances de compartilhar cigarros contaminados. E, num contexto mais amplo, também há o fator comportamental: estudos mostram que homens lavam menos as mãos do que as mulheres, tendem a usar menos sabão, assim como deixam de ir ao médico com regularidade e ignoram os alertas das autoridades de saúde.

Outros fatores importantes estão ligados ao sistema imunológico e hormonal. Pesquisas mostraram que as mulheres geralmente têm sistemas imunológicos mais fortes do que os homens e, portanto, debelam infecções com mais facilidade. O cromossomo X contém um grande número de genes relacionados à imunidade e, como as mulheres têm dois deles (os homens só têm um), largam na frente no combate a doenças. Pesquisas também descobriram que o estrogênio, hormônio sexual muito mais prevalente nas mulheres, protegeu fêmeas de camundongos infectadas pelo vírus da SARS (síndrome respiratória aguda grave), causada por outro tipo de coronavírus e responsável por um surto em 2003. Durante essa epidemia, os homens também tinham uma taxa de mortalidade muito superior à das mulheres. Além disso, a testosterona, hormônio sexual mais predominante nos homens, tende a ser imunossupressora. Essa é a razão pela qual homens com níveis mais altos de testosterona tendem a responder pior a infecções respiratórias.

 

2 – Isso se reflete também na quantidade de óbitos? No Brasil, o Ministério da Saúde divulgou dados sobre mortes por Covid-19 no final de março que mostraram que 68% das vítimas eram do sexo masculino e 32% do feminino. Por que isso ocorre?

Segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, 58% dos óbitos por Covid-19 foram de pacientes do sexo masculino. O número surpreende ainda mais quando se leva em conta que, no país, há 4 milhões mais mulheres do que homens acima dos 60 anos – faixa etária a partir da qual se dá a maior parte das mortes pela doença. A tendência foi observada inicialmente na China, onde o surto teve origem. Depois, se refletiu em países como França, Alemanha, Irã, Itália, Coreia do Sul e Espanha. E também no Brasil.

 

3 – Há indícios de que indivíduos do sexo masculino com mais de 60 anos sejam mais propensos a desenvolver formas graves de Covid-19 do que as mulheres nas mesmas condições. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, isso ocorre porque, em homens com mais de 60 anos, a expressão de um gene chamado TRIB3 é diminuída em certas células do pulmão, alvos preferenciais do vírus Sars-CoV-2. Poderia comentar esse tema, por favor?

A fisiopatologia da doença ainda não está totalmente elucidada. Temos diversas frentes avaliando os potenciais alvos do vírus. Os pesquisadores do Instituto de Biociências (IBB) da Unesp em Botucatu descobriram que justamente nesse grupo de pacientes (acima de 60 anos) a expressão do gene TRIB3 está diminuída nas células epiteliais do pulmão. Já nas mulheres, não foi observada mudança na expressão de TRIB3 ao longo dos anos, o que talvez ajude a explicar por que os homens idosos são os mais propensos a desenvolver pneumonia e insuficiência respiratória quando infectados pelo novo coronavírus.

Dados de estudos anteriores indicam o potencial da proteína TRIB3, codificada pelo gene de mesmo nome, de inibir a infecção e a replicação de vírus semelhantes ao SARS-CoV-2. Portanto, segundo o artigo, medicamentos que estimulam a expressão de TRIB3 devem ser avaliados como potencial tratamento para Covid-19.

Dados da literatura científica sugerem que a menor produção da TRIB3 pode favorecer a infecção e a replicação de alguns tipos de vírus, entre eles o causador da hepatite C (HCV). Sabe-se ainda que a molécula integra duas vias de sinalização celular – uma chamada UPR (sigla em inglês para resposta a proteínas não enoveladas) e outra conhecida como via de autofagia – que são importantes para o ciclo biológico de vários coronavírus. Os pesquisadores cruzaram essa descoberta relacionada ao envelhecimento pulmonar com o conteúdo de outro banco de dados denominado P-HIPSTer (sigla em inglês para predição de interações moleculares patógeno-hospedeiro por similaridade de estrutura), cujo algoritmo explora informações baseadas em sequências e estruturas moleculares para inferir a probabilidade de interações entre vírus e proteínas humanas.

 

4 – Há também indícios numa pesquisa chinesa que apontam que homens com fatores como diabetes e hipertensão tendem a morrer mais por Covid-19 do que mulheres com esses mesmos fatores. Por quê?

Na falta de estudos clínicos que aprofundem as causas do risco, tudo indica que a principal razão para essa diferença são as doenças pré-existentes não tratadas. Existem doenças que afetam mais certos grupos de risco: hipertensos, pessoas com doenças respiratórias ou diabéticos têm maior mortalidade. Estas doenças afetam mais os homens que as mulheres, portanto, é normal que eles sofram mais letalidade, ainda mais se apresentarem menor cuidado.

É preciso igualmente levar em conta fatores genéticos que ainda não conhecemos. A letalidade está muito associada à idade e às comorbidades. Alguns pesquisadores também apontam diferenças hormonais e do sistema imunológico que poderiam ter um papel na resposta ao coronavírus, mas são especulações não provadas.

O caso da diabetes não influi decisivamente no enorme desequilíbrio de mortalidade entre sexos, já que, embora afete mais os homens, estatisticamente essa diferença não chega a ser significativa. Isto se acentua ainda mais no caso das doenças respiratórias, em boa medida devido à maior prevalência do tabagismo entre os homens, em quem a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é três vezes mais frequente.

Conhecidas as doenças associadas e que provavelmente têm um papel importante na distribuição da mortalidade por sexos, o próximo passo é averiguar por que elas influenciam. E não há respostas claras e taxativas.  É um vírus que conhecemos há seis meses, muito ainda é incerto.  No caso dos hipertensos, a patologia mais prevalente entre os mortos ― o relatório não o detalha o caso da Espanha, mas na Itália chegaram a ser 75% do total de falecidos ― suspeita-se que a medicação possa ter um papel importante. Os receptores de alguns fármacos para hipertensão são os mesmos do coronavírus. Em todo caso, para nenhum destes grupos de risco é indicado deixar de tomar a medicação, isso precisa ser deixado bem claro.

 

5 – Que impactos a falta de rotina no acompanhamento médico do homem podem provocar quando ele contrai Covid-19?

Não causa surpresa um maior impacto em pacientes sem acompanhamento médico regular, já que as comorbidades apresentadas comumente por esses indivíduos (por exemplo, doenças crônicas, doenças inflamatórias, obesidade e diabetes) são associadas a um cuidado menor com a saúde ou mesmo a um diagnóstico mais tardio e não tratamento adequado.

 

6 – Há algum fator exclusivamente masculino que possa ser destacado como agravante para a contaminação por Covid-19 ou para o desenvolvimento de formas graves da doença? Qual(is)? Por quê?

Desde o começo da pandemia da Covid-19 no Brasil, morrem mais homens do que mulheres pela doença. Para cada dez pessoas que vão à óbito pelo novo coronavírus, seis são homens, assim como ocorre em outros países. Na Itália, que se tornou o epicentro na Europa, os homens representam 65% das mortes. Na China, a taxa de letalidade entre homens foi de 4,7% nos homens, em comparação com 2,8% encontrados nas mulheres.

Algumas diferenças entre os sexos podem ser apontadas como fatores principais desta investigação: maior tendência dos homens a fumar (fator de risco para contrair a infecção e desenvolver um quadro clínico mais sério da doença); mulheres têm como hábito dedicar um tempo significativo da rotina à higiene pessoal; possível resposta imune, inata e adaptativa, mais rápida e eficaz em mulheres do que em homens; e diferença hormonal.

Se forem analisados os mecanismos subjacentes à infecção, as diferenças podem ocorrer em nível hormonal. Em mulheres na idade fértil, os estrogênios podem aumentar a presença do receptor ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2, usada como porta de entrada do vírus e que tem expressão reduzida quando em contato com ele). A hipótese é que, mesmo infectadas, esta enzima ainda consiga proteger o organismo das mulheres, principalmente os pulmões. No caso dos homens, parece ocorrer o oposto. A hipótese é que os hormônios androgênicos, como a testosterona, favoreçam as fases subsequentes da infecção das células pulmonares ao influenciarem a presença de enzimas envolvidas depois do vírus.

A presença de dois cromossomos semelhantes (XX) nas mulheres pode ser fator de proteção para elas diante do novo coronavírus. Mesmo com a inativação fisiológica natural de um dos cromossomos “repetidos”, algumas porções cromossômicas ficam de fora dessa inativação. A hipótese é que seja ali que a proteína ACE2 passe a ser codificada, fazendo com que haja maior expressão nos pulmões das mulheres, protegendo-as de quadros mais graves do novo coronavírus.

 

7 – Algo que gostaria de acrescentar? Por favor, fique à vontade.

Neste período em que enfrentamos a pandemia de Covid-19 e estamos muito preocupados com nossa saúde, devemos sim reforçar a melhora dos hábitos de vida, melhorar nossa alimentação e praticar exercícios físicos, mesmo em casa. Tudo isso irá se refletir no nosso sistema imunológico. O acompanhamento médico é fundamental para o diagnóstico precoce de doenças crônicas e o seu tratamento.

A medicina do futuro não deve se basear no tratamento, mas sim na prevenção. O fator mais importante para ser um idoso saudável é a prevenção, de preferência que tenha sido realizada ao longo de toda a vida adulta. O acompanhamento médico é decisivo e deve ser composto por consultas de rotina e exames preventivos. Eles ajudarão a identificar qualquer sinal de anormalidade, descobrindo doenças de forma precoce e acelerando tratamentos para que o paciente consiga manter uma boa qualidade de vida.